
Foi publicado pela organização Eusko Ekintza (Acção Basca) um Manifesto pela Regeneração da Esquerda Abertzale. Este manifesto vai no sentido correcto.
O aspecto mais importante é o facto de pela primeira vez, uma organização do espectro da Esquerda Abertzale dizer claramente que estamos perante a liquidação do projecto histórico. Afinal ninguém andava com alucinações. O rei vai mesmo nu. Foram mesmo precisos sete anos de carneirismo.
O outro aspecto importante é a conclusão de que o movimento popular, a Unidade Popular (Herritar Batasuna) é um amplo campo político e sociológico, composto por diversas organizações, de variados espectros políticos e oriundas de diferentes formações sociais. Como diria a Marisa Matias, o movimento popular é muito impuro. É mesmo assim. Perante o conflito com os estados, a Unidade Popular apareceu como resposta de toda esta variedade de organizações contra a repressão.
Desta forma, o aspecto importante que a organização Eusko Ekintza traz para o debate é o facto de uma Unidade Popular, que representa a diversidade do movimento, não poder ser substituída por um partido legal, eleiçoeiro e social-democrata. Pior, a Unidade Popular foi substituída por um partido legal, que no seu projecto constituinte proíbe a existência de correntes internas e que define o socialismo pela indefinição. O que está escrito no projecto é: porque a definição de socialismo é causa de divergências, então todas as definições são aceites. Assim, a Unidade Popular que era composta por várias organizações com programas concretos, passa a ser substituída por um partido sem programa concreto.
E afinal qual é a surpresa? Isto é de manual. Os traidores responsáveis pela liquidação do movimento na Irlanda apoiaram os liquidacionistas no País Basco – em conferências públicas e por escrito!! Qual era a dúvida?! Nem sequer esconderam a mão depois de atirar a pedra.
Limitaram-se a seguir o manual. O MLNV não podia ter sido liquidado sem que antes os burocratas aplanassem o terreno. Era preciso liquidar a Segi, Ekin e a Askatasuna. Era preciso impedir que o Ekin pudesse apresentar a moção Mugarri ao debate estratégico (e conseguiram! parabéns!). Enfiaram uma moção pela goela da militância abaixo e chamaram-lhe “debate democrático”. Era preciso chamar vítimas aos presos políticos e pô-los a assinar cartas de “reconhecimento da dor causada” como se fossem bandidos vulgares.
Temos a seguir uma pedra no sapato, mesmo no fim do manifesto: o estigma das cisões. Os choros e o drama. A falta de distanciamento político e a relação emocional com as organizações políticas. Parece amor venenoso: o membro do casal que mais porrada leva, é ao mesmo tempo aquele que mais sofre perante a possibilidade duma separação.
É óbvio que tem de haver uma cisão. Aliás a cisão já foi consumada quando se liquidou o movimento e os seus objectivos estratégicos. O que existe agora é a aparência de unidade.
Por fim temos os aspectos mais pitorescos do manifesto, como a possibilidade duma economia tosta-mista, existência de “redes potentes de dinheiro local” (sic), a “igualdade de oportunidades para a actividade política”, a “confrontação democrática” – deve ser por oposição à confrontação antidemocrática, todo o cuidado é pouco com estas expressões -, e outros aspectos desta esclerose ideológica. Mas ainda assim, creio que o facto de dizerem a verdade no manifesto é muito mais importante do que todos estas coisas, que no fundo são a paisagem do nacionalismo practicista, perdido a flutuar numa bóia pintada com as cores de Euskal Herria.
Em suma, o melhor que teve o movimento popular foi a sua combatividade. Foi por isso que o nacionalismo revolucionário absorveu tantos comunistas ao longo dos anos, porque já não haviam espaços para confrontar o regime fascista e o regime da transição num Partido Comunista (o Partido de José Díaz era já um apêndice folclórico do revisionismo). Comunistas como Argala, Txabi, Pertur e Santi Brouard deram o melhor de si pela causa da independência e do socialismo. Teorizaram a aliança com os nacionalistas num movimento de libertação nacional – por vezes de forma demasiado criativa. Se os comunistas e os revolucionários já nem têm estas referências, já nem podem pôr um pé dentro do movimento (porque ele foi liquidado), nem podem defender a reconstrução de organizações revolucionárias dentro da actual estrutura, então que campo de acção têm para trabalhar? Nenhum. Que há dentro da Esquerda Abertzale para eles? Nada.
É por isso que a reconstrução do movimento popular é tão importante, E também a reconstrução de uma organização revolucionária que sirva de referência, e que tenha um pé dentro do movimento popular.